A vida tem situações inusitadas. Nem sempre conseguimos planejá-la o suficiente. Quero relatar aqui um fato que aconteceu comigo e que me permitiu algumas reflexões sobre a vida em geral e a minha em particular.
Meu edifício é constituído por dois blocos, cada um com dois elevadores, um social e um de serviço.
Há alguns dias, um dos elevadores quebrou. Em momentos como esse, a civilidade de todos é posta à prova.
Saí de manhã para trabalhar, como faço em todos os dias. Apertei o botão do elevador em funcionamento e iniciei um papo com o meu vizinho, que também deixou o seu apartamento no mesmo horário. Percebi, porém que o elevador subiu para o último andar. Eu e o meu vizinho continuamos a conversar e nada do elevador descer. Ele, mesmo estando calmo, até bateu na porta do elevador. Eu estava ficando bem mais irritado do que ele, pois sentia a premência de ir embora logo para o trabalho.
Alguns minutos depois, o elevador chegou em nosso andar, vazio. Descemos ao térreo. Ele se dirigiu à garagem, onde pegaria o seu carro; eu fui em direção à portaria, na qual rotineiramente pego o meu jornal.
Lá encontrei o zelador e reclamei com ele sobre o ocorrido. E ele justificou: uma das moradoras do último andar urinou no elevador e a sua empregada doméstica travou a porta do mesmo e limpou o seu piso. E comentou: “eu sabia que vocês ficariam irritados por esperar; mas vocês não reclamariam se descessem num elevador urinado?”.
Fiquei sem reação na hora, somente pude comentar que era um dia difícil para mim, que eu não podia me atrasar justamente nele.
Pensemos. Por que tanta pressa? Posso perder o emprego? Não por um atraso. Prejudicarei meus colegas? Não por um atraso. Há evidentemente também o aspecto moral envolvido, aquele bichinho chamado consciência, que nos fica dizendo o trabalho dignifica o homem, o trabalho gera riquezas, o trabalho é socialmente aceito, etc. Mas, também torna as pessoas doentes e mata. Pelo salário? Talvez. Dinheiro dá segurança, status, comodidade. Não garante a felicidade, no entanto.
E a urina no elevador? Choca. Geralmente pensamos num animal de estimação mais afoito. Um ser humano? Com problemas renais; deve ser tão sofrido, tão desagradável, tão vexatório. Se eu soubesse antes do fato, provavelmente não ficaria tão irritado, seria solidário com a pessoa. Entenderia a demora. Ou será que prevaleceria o homem Século XXI, o turboconsumidor egoísta e mais preocupado com si próprio?
Sabe, penso que a Martha talvez tenha razão. Relaxemos e gozemos, pois a vida é extremamente curta para nos angustiarmos tanto com coisas tão insignificantes como o atraso de um elevador. E nos preocupemos mais com os sofridos humanos com os quais convivemos.
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