sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Mãe

Terça-feira passada, à noite, faleceu a minha mãe. 78 anos de idade. Ela nunca teve uma vida fácil. Analfabeta, trabalhou como operária até a sua aposentadoria. Lutadora, desde os 30 anos sempre conviveu com diversas doenças. Personalidade forte. Foi feliz no casamento? Difícil dizer. O que é felicidade, na verdade? Gostava também de conversar.
Lamento não ter sido mais íntimo dela. Durante seu período de trabalho, ela começava o expediente às 5 da manhã e encerrava às 13 horas. Chegava sempre cansada. Meu pai ficava de manhã comigo, me levava depois na casa de alguém que cuidava de mim; minha mãe me buscava depois. Assim, acabei por ser mais próximo do meu pai. Na prática, tornei-me muito independente.
Meus pais, de certa forma, foram "revolucionários" para a época: tiveram apenas um filho. Se eu tivesse irmãos, apesar do ônus de ser filho único, provavelmente não teria estudado. Minha mãe procurou me educar na igreja católica; hoje, quero distância de quaisquer dogmas. Lembro que ela insistia em me exibir para as amigas; minha timidez me assombrava com isso, mas hoje acho profundamente engraçado.
A convivência dela com a minha esposa foi razoável, dentro dos limites tradicionais da relação nora e sogra. Acabei me aproximando e muito da minha sogra, outra mulher excepcional. Provavelmente, a minha mãe tenha ficado um pouco surpresa com essa atitude minha, mas nunca reclamou. Creio que agi corretamente em não envolvê-la em meus problemas. As netas a respeitavam, mas às vezes tinham dificuldade em lidar com a sua personalidade, muito apegada àquela vidinha limitada pela baixa aposentadoria.
Quando fiquei desempregado, ela entristeceu. Mas, nada poderia fazer para mim ajudar. Acabamos todos em nos conformando com a situação. Mas, o meu desemprego atrapalhou os planos de tornar a vida dos meus pais um pouco mais digna.
Ela cuidou da minha avó que, infelizmente, entrou num processo de senilidade lamentável. Mais desgaste. Encontrou refúgio na fé, junto a sua igreja. Não herdei dela esse comportamento; prefiro meus filósofos, com a mente aberta. Mas, nunca me meti com as suas convicções. Ultimamente, ela repetia a palavra Deus sistematicamente.
Os últimos anos foram complicados para ela. Meu pai entrou num processo de decadência preocupante. Ela procurou cuidar dele da melhor forma possível, mas sozinha. Insisti em colocar alguém para ajudar, mas não deu tempo de colocar isso em prática.
Teve um AVC. No hospital constataram uma pneumonia. 20 dias hospitalizada. O coração não suportou. Descansou. Agi o mais rápido possível; não considerei aceitável mantê-la no necrotério por muito tempo. Assim, de madrugada o velório teve início. Agradeço o apoio recebido dos médicos, enfermeiros, pessoal administrativo, zelador, funcionários todos do hospital. Também agradeço a atenção da funerária e do motorista que levou o caixão até o crematório da Vila Alpina. Na próxima semana, receberei as cinzas. Pretendo fazer uma cerimônia respeitosa, no espalhamento das cinzas.
As pessoas têm perguntado porque não chorei compulsivamente. Nem sempre o choro é sinal de emoção. Sempre manterei minha mãe no pensamento, é o que importa. A Filosofia, repito, não faz mágica mas me forneceu a necessária bagagem para encarar situações como essa. Além disso, tenho que cuidar do meu pai.

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